quarta-feira, 25 de março de 2009

Eu


Por fora não se vê nada. Entre beijos em bochechas fofas e infantis e ralhetes acidentais, entre jantares e pequenos-almoços e estender roupa para secar, sou simplesmente uma mulher normal. Também no trabalho sou uma mulher normal, de saltos altos organizo papeis e distribuo bons dias. Vêem-me passar e não vêem nada. Vou às compras e ao ginásio. E também rio e choro e grito e ralho e murmuro e suspiro e como e corro e faço tudo o que faz uma mulher normal. No entanto, quando olho dentro de mim vejo uma pessoa sem idade, desejosa de liberdade, aflita por amor. Por fora não se vê nada. Não se vê que sofro, que me debato com os meus monstros. Por fora não se vê que sonho com lugares mágicos onde não é preciso chorar. Por dentro sou eu, sem véus diáfanos a cobrir-me o rosto. Ninguém me conhece, ninguém sabe quem eu sou. O que conhecem de mim é apenas uma pequena parte. O resto está escondido numa alma sufocada pela rotina e que ninguém quer conhecer. Por dentro de mim há um mundo de emoções e de sensações que ninguém suspeita. Mas por fora não se vê nada. Sou uma mulher normal.

segunda-feira, 16 de março de 2009

No meu sonho....


No meu sonho não me achaste gorda nem feia e nem sem graça No meu sonho chegaste de mansinho por trás de mim e agarraste-me como quem dança, obrigaste-me a olhar-te no olhos e chegaste os teus lábios, devagarinho, como se tivesses medo de magoar os meus. O toque dos teus lábios era macio, suave, quente. Eram doces os teus lábios. Senti-os, saboreei-os. O teu abraço era forte sem ser bruto. Rodeavas a minha cintura com firmeza como se tivesses medo que fugisse do teu abraço. A outra mão afastava os meus cabelos da cara, suavemente, numa carícia prolongada. No meu sonho fechavas os olhos e gemias baixinho mostrando o quanto me desejavas naquele momento. No meu sonho as nossas ancas estavam bem juntas, o ventre colado, o teu peito arfando com o meu. Cheiravas tão bem, um cheiro doce de flores exóticas e cheiravas a ti, da tua pele emanava o teu cheiro, a tua essência. No meu sonho ficamos ali a beijar-nos muitas vezes, sempre devagarinho, de olhos fechados, sentido a pele um do outro na palma das mãos. Passei a minha mão pelo teu cabelo macio, sentindo-o passar suavemente por entre os dedos, acariciei o teu rosto de barba por fazer. Pedi a tua mão para a beijar, e depois pousei-a no meu pescoço para que o acariciasse.
No meu sonho fizemos amor.

Como pássaro ferido...


Vi-a num dia de chuva miudinha, quando passeava por entre as árvores despidas de folhas verdes. Já sabia da sua existência, mas só naquele preciso momento me dei conta de que era verdadeiramente real e sofria. Vi-a no chão sangrando e apanhei-a como apanharia um pássaro ferido. Envolvi-a em pedaços de algodão macio e acarinhei-a. Disse-lhe palavras ternas e falei-lhe dos sítios magníficos para onde poderia um dia voar. Durante algum tempo cuidei dela e ficamos ligadas para sempre. Nunca deixo de a sentir. Mesmo agora que voou pelo céu aberto, sinto-a sempre, esteja onde estiver. Quando sofre eu sei, quando ri eu sei e quando ama também sei. Na outra noite sentia-a chorar e fiquei triste. Queria passar-lhe a mão na cabeça e jurar-lhe que tudo vai passar e ficar bem, mas não posso. Sinto a minha alma mas não a vejo. Sei que deve andar escondida por entre as arvores, soluçando escondida do mundo que lhe faz mal. Vou ficar atenta, não vá cair novamente no chão e não haver ninguém por perto para a apanhar.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Choro, sim

A ouvir enquanto escrevo e sinto....


Choro, sim, finalmente deixo-as sair
Transborda a minha alma magoada
Nada posso fazer, não as posso impedir
Sinto-me só, vazia e amargurada

As lágrimas não mais quero esconder
Nem esconder meus sentimentos
Não importa, não quero nem saber
Se alguém ouvir meus pensamentos

Os mais tristes, os mais angustiantes
Que tenho dentro do peito guardados
Deixo-os sair por breves instantes
Já estiveram tempo demais fechados

Dói a solidão que trago dentro de mim
E dentro de mim ouço algo rasgar
É a minha alma que está triste e assim
Desiste de tudo e de todos e até de lutar

Não quero pensar não quero sentir
Estou cansada desta luta inglória
Só quero deitar um pouco e dormir
E amanhã recomeçar a minha historia…


Cláudia Moreira

Livre...

Abri os braços. Olhei em frente e perdi os olhos no azul brilhante do céu. E se tentasse voar? Respirei fundo e pude sentir que os meus pulmões se enchiam de ar e eu me tornava mais leve. Ordenei que os pensamentos negros abandonassem a minha cabeça e fiquei ainda mais leve. E se tentasse voar? Fechei os olhos e de braços abertos, deixei-me cair. Uns segundos e senti o meu corpo fluir pelo céu. Estava a voar. Lá em baixo, o mar na sua imensidão. Estava a voar…

Uma lágrima

às vezes, sem razão aparente, uma lágrima salta dos meus olhos. não a vou impedir, embora ela esteja ali para me lembrar que algo vai mal no mais profundo do meu ser.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Pensamentos ...

De repente algo estalou dentro mim. Há pensamentos assim. Chegam sem se fazer anunciar e fazem doer...

O lago


Havia muito que caminhava. A minha boca estava seca e sabia a pó. Os meus pés mal suportavam tocar o chão. Há tanto tempo que caminhava sem rumo que me sentia profundamente cansada e abatida. O sol abrasador tinha deixado marcas profundas na minha pele branca e o meu andar, outrora seguro, era agora periclitante e errático. Sentia-me perto do fim. Olhei o horizonte e pareceu-me ver algo azul. Pensei: é uma miragem. Desfaleci.
Quando abri os olhos estava deitada numa cama feita de seda à beira de um lago. O lago. Uma mulher jovem limpava-me o rosto com um pano macio. Estava lavada e já não tinha sede. Soergui-me e pude ver que o lago era azul-escuro, como os meus olhos. De um lado salgueiros-chorão, do outro, choupos. Vi vários homens e mulheres deitados na relva. Uns liam, outros desenhavam, outros deitados de costas viam as nuvens lá no alto. Vestiam-se de azul. Túnicas azul céu de seda esvoaçante. Pareciam em paz. A mulher olhou-me e sorriu. Eu sorri também. Com um gesto convidou-me a levantar e avançar até ao lago. Entrei de mansinho, um pé depois do outro. A água era fresca e límpida. Não senti frio. Fui entrando até não ter pé. Abri os braços e deslizei pela água. De costas, deixei-me estar ali no meio do lago, flutuando. Via os fiapos brancos no céu mais azul que alguma vez tinha visto e senti a tranquilidade invadir cada bocadinho do meu corpo. Fechei os olhos para melhor poder gozar o momento. Quando os abri, já estava a escurecer. Vi-me envolta na penumbra. O lago reflectia a cor cálida das fogueiras na praia. Estranho, pensei, não senti frio, nem fome, nem cansaço. Que lugar seria aquele que o frio e a fome não se faziam sentir? Nadei até à margem e sai caminhando na areia pelo meio das fogueiras. No céu a primeira estrela despontava brilhando suavemente. Um homem esperava por mim. Quando cheguei perto estendeu-me a mão e disse-me:
- Chegaste a casa finalmente. Que bom. Estava à tua espera.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Fecho os olhos e...


Daqui não o vejo, mas sei que está por perto. Sinto-o. Fecho os olhos e vejo-o. Está perfeito. Vem ter comigo e abraça-me, acaricia-me. Obriga-me a abrandar o ritmo. Mal se nota que respiro porque a tranquilidade invadiu o meu corpo e me deixou languida. Deito-me na areia branca e deixo que me aqueça cada centimetro de pele. O cheiro da maresia invade-me, refresca-me. A areia é quente, mas macia. Sinto-a nos pés descalços. Queria abrir os olhos, mas não o faço. Sei que se os abrir vou voltar à realidade e não quero. Não me apetece sair dali. Não queria abrir os olhos nunca mais. No sonho que sonho acordada imagino que o mar é azul, tão azul que o mar e o céu se confundem. Uma brisa ligeira agita-me os cabelos e faz-me sorrir. Foi uma caricia.


Abro os olhos. Não sei quanto tempo passou. O encantamento desapareceu. A realidade é mais feia. Deixo o sol e a areia e o mar irem embora. Vão, vão, vão embora, digo eu, mas não se afastem muito, em breve sonharei de novo....

segunda-feira, 9 de março de 2009

As estrelas e as flores de papel

Vi as estrelas. Aqui ainda se vêem as estrelas nos raros momentos em que nos lembramos que olhando para cima há uma obra de arte para admirar. Muitos já não se lembram da ultima vez que viram uma estrela no ceu. Como se pode viver sem olhá-las? Sem imaginar que se pode voar de estrela em estrela, brincar com a cauda de um cometa? Não as entendo, a essas pessoas que perderam a capacidade de imaginar. Nem entendo que se esqueçam que o mundo não é só feito de trabalho e dinheiro e problemas, mas também é feito de mar e de estrelas e de flores.






Nem uma brisa corre nestas ruas que calcorreei e por isso as magnólias e as camélias parecem feitas de papel, de tão quietas que estão. Não pareciam reais. Estiquei a mão para lhe tocar, mas pareciam mais longe a cada passo meu. A luz mortiça dos candeeiros da rua fazia-as parecer irreais. Ou pinturas. Pareciam pinturas. São tão belas as flores. Estão resguardadas por grades como se fossem objectos preciosos de valor incalculavel que ninguem pode tocar. É pena, coisas tão belas deveriam ser mantidas ao alcance de todos. As coisas belas quando tocadas têm o condão de passar imediatamente boas sensações a quem as toca.
Caminhei pelas ruas desertas, respirei o ar frio da noite e ouvi os meus passos. Admirei as flores e as estrelas, um gato passou por mim devagar. A par disso, os meus pensamentos eram tantos e sobre tantas coisas que tive que me obrigar a parar de pensar. Foi aí que vi as estrelas e sorri.

domingo, 8 de março de 2009

O espelho






Tenho um espelho partido. Todos os dias passo por ele, deito-lhe um olhar distraido, confirmo que sou eu e sigo a minha vida. Hoje olhei-me no espelho partido com mais atenção e disse:

- Estou velha...

O espelho devolveu-me o comentário com o silêncio. Insisti.

- Estou velha...

Novamente o silencio. Olhei-me novamente e vi cabelos brancos. Vi pequenas rugas em volta dos olhos. Vi alguns quilos a mais que pareciam ter idos todos parar às bochechas. Atentei nos olhos. Eram olhos de velha. Olhar mortiço e sem brilho. Olhar de quem já não sonha. Olhar de quem sofreu e chorou. Olhar onde se lê que o fim não estará longe. Procurei o bilhete de identidade e confirmei a data. Parecia estar tudo correcto como da ultima vez que o vi. A idade batia certo com o que me lembrava, tudo parecia nos seus devidos lugares. Mas não batia certo com aquele olhar. Porquê aquele olhar? Não compreendi. Não me apeteceu chorar. Peguei num pano negro e tapei o espelho.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Pensamento...


Escrevi uma história de amor


suave, intensa, cheia de cor


escrevi-a em vez de a viver


porque me faço sofrer?





não sei.






quarta-feira, 4 de março de 2009

Nada mudou











O sol não parou de brilhar
O mar não parou de subir e baixar
As flores não pararam de crescer
E o vento não parou de correr
A chuva não parou de cair
E o calor fez-se na mesma sentir
A neve continua branca e bela
E a flor do campo continua amarela
Os pássaros fazem ninho nos beirais
Como em todos os anos, iguais
O nono mês é Setembro
Tal como desde que me lembro
O cheiro das rosas continua maravilhoso
Assim como o da canela delicioso
Nada no mundo mudou
A ordem das coisas não se alterou
Todas continuam no mesmo lugar
Onde se acostumaram a estar
E nem choveram meteoritos
Nem ouvi ninguém aos gritos
Só porque tenho a alma vazia
Que ao contrario do que se dizia
Ainda ninguém veio preencher
E assim, aos poucos, foi fácil esquecer
Como se ama alguém de coração
Ficando apenas a eterna solidão!




Cláudia Moreira
“Poemas de Amor e Desamor”

segunda-feira, 2 de março de 2009

não tenho voz




às vezes tenho a sensação de que a minha vida é como um sonho. um sonho daqueles em que as nossas bocas se movem formando palavras, pedidos de socorro, gritos de desespero, mas nem um único som nos sai da garganta...

não tenho voz.